Meu último Natal como “criança”

 

Quando eu tinha dez anos vivi o meu último Natal como criança. Não porque deixei de ser criança após os dez anos, mas foi porque naquele Natal que eu vivenciei uma experiência que me fez ver como o mundo era diferente daquilo que eu via como criança. Bom, irei contar para vocês essa história, triste, mas que me fez um ser humano diferente.

Faltavam cerca de três dias para o Natal, tudo estava acontecendo como sempre acontecia todos os anos, havia muita neve, fazia muito frio e as ruas estavam com aquele molhadinho de pós-neve, que sempre me fazia escorregar por andar sempre correndo. As ruas frias e molhadas estavam repletas de carruagens com as pessoas mais ricas da cidade, e cães dividindo restos de comida que sobravam do açougue com os moradores de rua.

Em casa, já juntávamos as moedas para comprar nosso frango de Natal, isso mesmo, frango. Eu era de uma família muito humilde, nem em sonho podíamos comprar um peru de Natal como todos. Éramos em oito pessoas, eu, meu pai e minha mãe, minha tia, minha avó, dois irmãos e uma irmã. Eu era o irmão do meio com dez anos, meus irmãos gêmeos tinham 12 anos e minha irmão sete. Apesar das dificuldades, éramos muito felizes.

Então, com dez anos eu era uma criança muito inocente, tudo para mim era um imenso sonho e brincadeira. Sonhava com o Papai Noel vindo deixar presentes e ficava muito feliz com os presentes feitos a mão que ele deixava na árvore, claro que muito depois descobri que era minha mãe quem os fazia, com materiais comprados com muito suor pelo meu pai.

Aquela neve... achava que era mandada todo Natal por Deus para deixar o caminho pronto para o Papai Noel. As histórias de Natal que minha avó contava me enchiam de tanta imaginação, que ficava a replicar em meus sonhos, as brincadeiras de aventura com cavaleiros de dragões que ficava a imaginar ao entardecer antes das nevascas, isso refletia na minha inocência de criança.

Isso meio que mudou após aquele Natal. Há cerca de dois anos eu conheci um idoso que morava nas ruas, era muito simpático, poucos gostavam dele por ser morador de rua, mas eu o adorava, pois ele, talvez na época por não estar muito bem de saúde e ser idoso, achava ser uma grande criança e vivia sonhos assim como eu. Seu nome ninguém nunca soube, mas eu o batizei de Harold, não me pergunte o porquê.

Harold era um senhor bem idoso, com rugas e marcas severas que o tempo e as ruas lhe proporcionaram. Magro, alto e com belos olhos verdes que davam mágica a sua expressão facial. Este nunca estava triste, apesar do frio das ruas, da fome certas vezes e até da solidão, ele sempre estava com um belo sorriso no rosto, e com lindas e emocionantes histórias também.

Sempre no Natal eu o convidava para cear em minha casa com minha família, éramos pobres, porém, nossa comida dava para todos e também o senhor Harold, além do mais, meu pai nunca botou objeção. Teve uma vez que até ele foi comigo convidar o senhor Harold para a ceia, mas ele sempre negava.

Bom, como ia dizendo, esse Natal foi bem diferente. Faltava um dia para o Natal, como eu não vi mais Harold sentado na calçada que conversávamos todos os dias, resolvi perguntar às pessoas da rua e descobri que o mesmo estava em uma casa de repouso muito mal. Na noite anterior havia desmaiado e sido levado para lá. Fui correndo visita-lo com meu pai.

Ao chegar lá, vi uma cena que jamais sonhara. Seu Harold estava em uma cama muito debilitado. Mal falava, estava bem rouco e com os olhos bem fundos e roxos. Tentei falar algo com ele, ele sorriu. Havia um médico ali, coisa rara pela dificuldade de chegar à nossa região. Ele explicou a meu pai que seu Harold teve um início de enfarto, coisa da idade e que não morreu por milagre de Deus, mas seu fim poderia estra bem próximo. Não havia nada que pudéssemos fazer, disse meu pai.

Então, pensei! Há sim uma coisa que podíamos fazer: convidar seu Harold para cear conosco. Insistimos muito para que ele aceitasse, e por fim, ele deu um sorriso, me abraçou bem forte e disse que seria um prazer passar aquele Natal comigo e minha família. Meus olhos encheram de lágrimas, eu fiquei sem entender na época o porquê, e o levamos para casa.

Durante os preparativos de Natal, ele ficou na cama conversando e contando histórias comigo e meus irmãos, parecia que ele nunca havia ficado doente de tão alegre que ele estava. Ao chegar à noite, servimos a ceia na mesa, ele comeu conosco, sorriu, contou mais histórias e nos desejou um FELIZ NATAL com toda a voz que ainda lhe sobrara. Senho Harold passou aquela noite conosco, acabou dormindo em nossa casa. No dia seguinte, o levamos novamente para casa de apoio.

Bom, o que aconteceu depois, eu não me sinto bem em contar. Tenho hoje 32 anos e ainda tenho dificuldades de falar. Mas, não vimos mais o senhor Harold na cama onde o deixamos, nem muito menos na calçadinha que ele ficava todos os dias a contar histórias. Nunca um parente seu veio para visitá-lo, mas ainda hoje em todo o Natal, vou aonde seu corpo reside na terra desejar aquele FELIZ NATAL!

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